Entrevista: Luna Alkalay

maio 24, 2023



Escrito por Luna Alkalay, Minha mãe inventada é o relato de uma família em que a mãe se recusa a tocar em certos assuntos. O esfacelamento da sua vida calou sua boca. Ela teve de seguir adiante, refazer, desfazer.

Luna nasceu em Milão, Itália, em 1947. Viveu na Argentina até os seis anos e depois mudou-se para o Brasil. Cursou filosofia pela USP e começou a fazer cinema após participar de vários curtas. Dirigiu os longas Cristais de Sangue (1975) e Estados Unidos do Brasil (2005, 29ª Mostra Internacional de Cinema).

"Nunca vivi a doce saudade de um dia voltar para minha cidade, minha aldeia, minha família. Para alguém. Não conheço a sensação de raízes, de comidas de vó, de domingos, de férias sonhadas em sítios, no interior. Não tenho memórias de família a não ser alguns breves momentos que acabaram antes que eu pudesse me acostumar a eles." - Luna Alkalay

Para conhecer um pouco mais sobre a sua trajetória e entender quais foram suas princi
pais inspirações, a convidamos para uma entrevista exclusiva! Confira a seguir:

1)
 
Primeiro, nos conte um pouco sobre você. Quem é Luna? Qual foi a sua trajetória até se tornar, além de tudo, escritora?

Desde 1975 trabalho com audiovisual. Fiz alguns curtas metragens, meu primeiro trabalho autoral foi a curta ficção Sangria, em 1975 com Selma Eggrei, Fernando Peixoto, Jofre Soares, Emmanuel Cavalcanti. Logo em seguida comecei a elaborar o roteiro do longa metragem Cristais de Sangue, na Chapada Diamantina, Bahia. Esse filme foi exibido em circuito comercial e em seguida em Portugal, em Moçambique. Naquela época, existiam pouquíssimas diretoras de cinema no Brasil. Hoje estamos em pleno processo de restauração e digitalização do filme o que permitirá que ele volte a ser exibido.

(Foto: Blog A suspeita)

Em 2005, fiz o documentário de longa-metragem
Estados Unidos do Brasil, com o Rodrigo Teaser, que é o cover mais famoso do Michael Jackson. Como sempre participei de roteiros além de escrever alguns autorais, em 2011 resolvi me dedicar à escrita. Foi aí que entre outros dei início à essa biografia inventada da minha mãe e sua família que viviam na Áustria nazista. A partir daí escrevi contos, uma história infanto juvenil chamada Os Analfafalas, ainda inédita. Agora, preparo o meu terceiro longa chamado Trópico de Leão, uma história sobre o abuso psicológico vivido por inúmeras mulheres, que começo a rodar ainda em maio.

2)
Você afirma já ter passado por todo tipo de opressão, desmantelamento e repressão. Como foi lidar com essas tentativas de censura?

A censura, durante a ditadura militar, atingiu duramente as pessoas que ousaram levantar a voz contra os absurdos cometidos. A cultura, a universidade, foram particularmente perseguidas. Mas é nesses momentos que a criatividade e a vontade de falar, se manifestam mais fortemente. Trabalhávamos em grupo, filmávamos em sistema de rodízio, no qual todos faziam todas as funções. Mas, apesar disso, vários filmes, peças de teatro, livros, canções, como sabemos, foram proibidas e seus autores punidos.

3)
Você acredita que há uma conexão entre a direção cinematográfica e a escrita de obras literárias? Se sim, como você vê essa conexão e como ela influencia no seu trabalho?

Crio imagens, invento personagens, situações, crises. A escrita literária, me permite voos que no cinema são impeditivos porque custam muito caro. As invenções deste romance,
Minha mãe inventada, não teriam sido possíveis num cinema de baixo orçamento como é o meu cinema. A literatura me permitiu essa imensa liberdade. Mas, como dizia minha mãe “o cinema é como uma malária e quando imaginamos estar curados, ele volta com tudo”. Hoje acredito que o melhor é navegar entre essas duas linguagens.


(Foto: Blog A suspeita)

4) Como surgiu a ideia de escrever Minha mãe inventada? Nos conte um pouco sobre o seu processo criativo!

Minha mãe era dona de uma história incrível de resistência e amor à vida. Foi ela que escolher viver no brasil, foi ela que se apaixonou pelo Brasil. Eu sentia que ela, e tantas como ela, permitiriam um relato para além do sofrimento. Um dia, não sei porque, sentei e comecei a escrever. Parei logo em seguida, porque ela tinha me contado pouca coisa da sua vida se desculpando por não querer vivenciar “aquilo tudo” novamente. Foi, então, que a fantasia veio preencher as lacunas com tudo. A partir do que ela havia me relatado sobre seus pais, seus seis irmãos, a Viena do início do século XX, pude construir essa biografia.

5) Qual foi a parte mais desafiadora da escrita deste livro?

Ultrapassar a dificuldade da ausência de fatos reais, documentos, parentes vivos. O esfacelamento dessa família, as perseguições, as mortes, me cobravam uma reverência. Eu temia desrespeitar sua memória. Por isso fiquei tanto tempo paralisada. Mas quando enxerguei a possibilidade de ressuscitá-los através das minhas próprias vivências, a dificuldade desapareceu.

6) Quais são as mensagens que você espera que os leitores tirem do seu livro?

Eu realmente gostaria que os leitores se convencessem que a verdade é o que podemos experimentar, o que somos capazes de relatar. E a partir daí não se detivessem frente às dificuldades que sempre surgem quando arriscamos corajosamente contar uma história.

7) Há autores ou livros que influenciam sua escrita? Como você acha que essa influência reflete em seu próprio livro?

Sou uma leitora voraz, uma compradora irresponsável (financeiramente) de livros. Hoje ando encantada com os livros do Valter Hugo Mãe, com a Camilla Soza Villada, com um autor brasileiro João Sabali com quem trabalho e que vai lançar seu primeiro livro, com minha grande amiga e magnífica escritora, Bettina Bopp. E todos os clássicos. E todos os outros.

8) Por fim, quais são os seus planos para o futuro? Existe alguma história nova em construção?

No momento vou me dedicar ao lançamento do livro, ao meu filme Trópico de Leão. Mas claro que já andei rabiscando, anotando e preparando um livro que ainda não tem título.

 
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