Entrevista: Gabriel Mendes
maio 31, 2023Acredito que 5 fatos na minha
trajetória foram muito relevantes para que eu pudesse me tornar um escritor
hoje.
Primeiramente, após terminar a escola,
eu entrei na universidade federal da Bahia fazendo um curso noturno chamado
Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades. É um curso novo e pouco conhecido,
é uma formação generalista e não profissionalizante que é majoritariamente
cursada por estudantes que ainda não possuem certeza de qual curso eles querem
seguir.
Então através desse “BI de humanas” eu tive a liberdade de ficar uns 3
anos transitando por vários campos do saber. Ou seja, eu tive uma experiência
única de explorar vários campus e estudar disciplinas variadas nesse período,
desde oratória até sobre aquecimento global. Das artes até as ciências. Isso me
deu a possibilidade de desenvolver uma formação mais humana e abrangente,
conheci pessoas que não faziam parte da minha bolha de colégio particular.
Estudei com muitas mulheres negras, idosos, LGBTs, indígenas, e outras minorias.
Ali foi um momento de muito crescimento pessoal e de desenvolver mais
consciência social.
Após esse período na UFBA, já em 2015, eu descobri uma oportunidade de
realizar um intercâmbio esportivo nos Estados Unidos. As Universidades
americanas oferecem bolsas esportivas para estudantes-atletas, e como eu sempre
joguei futebol, mandei um vídeo para um treinador na Filadélfia que me ofereceu
uma bolsa para estudar o curso de Business e jogar na Chestnut Hill College.
Considero que existe um Gabriel antes e depois desse intercâmbio. Pois foi um
momento que eu tive que aprender a me virar sozinho, ser mais independente e
enfrentar as dificuldades da vida como protagonista da minha própria jornada.
Nessa experiência eu sinto que finalmente me tornei adulto e aprendi muito mais
sobre mim mesmo, além de expandir meus horizontes.
Terceiro, ao retornar para o Brasil com 21 anos, comecei a empreender junto com
3 amigos do intercâmbio, tivemos uma empresa “Dream Big” que através da nossa
própria experiência pessoal, auxiliamos outros jovens a também realizarem o
sonho de estudar e praticar um esporte em universidades americanas com bolsas.
Essa foi uma bela forma de me desenvolver profissionalmente e foi nesse período
que eu dei minhas primeiras palestras, expressando mais minha comunicação tanto
presencialmente quanto nas redes sociais.
Quarto fato relevante foi durante a
pandemia quando decidimos fechar a Dream Big. Essa decisão me incentivou a
estudar mais sobre marketing digital para continuar empreendendo e eu descobri
uma nova “profissão” que está crescendo muito na internet, chamada Copywriting.
Essa descoberta sobre o “copy” foi divisora de águas para mim, pois foi a
primeira vez que percebi que eu poderia monetizar com a minha escrita e ocupar
mais tempo do meu dia escrevendo, o que é um grande prazer, além de ser um
treinamento diário de lapidação dessa arte que eu amo muito.
Por fim, já em 2021 após fazer uma
leitura de mapa astral com minha companheira que é astróloga, Natália Faria.
Ela me trouxe algo que tocou meu coração: o meu propósito de vida estaria
ligado a escrita e espiritualidade.
Após essa revelação, passei a ter mais coragem e confiança de me
expressar através da arte de escrever. Como eu já mergulhava na minha jornada
de autoconhecimento e lia muitos livros sobre espiritualidade, minha vontade
era de compartilhar mensagens e aprendizados pessoais com outros buscadores
para contribuir no caminho deles.
Foi assim que eu finalmente criei uma nova empresa chamada “Mensageiros”
e passei a escrever umas narrativas para marcas ali, uns textos em blogs
aqui… até que surgiu a ideia de escrever o meu primeiro livro: Os 2 guardiões da rainha da floresta.
Hoje me considero um escritor com muito orgulho e me vejo fazendo isso
até meus últimos dias de vida.
2) Você começou a escrever o seu livro após morar por 3 semanas em uma aldeia indígena. O que te levou até lá? Como essa experiência influenciou na escrita do livro?
Na verdade, a primeira parte do
livro já tinha sido escrita e foi muito baseada nas situações vividas durante a
minha juventude. Inclusive, eu já tinha vivido uma experiência sensacional de
visitar a floresta amazônica em 2019 e mergulhar no rio amazonas com os botos
cor de rosa (descrevo essa experiência no livro). Porém, assim como acontece na história, onde
o protagonista se aventura numa viagem até uma aldeia indígena, eu também senti
um chamado de visitar a aldeia Porto do Boi do povo Pataxó no sul da Bahia.
Acredito muito no mundo invisível, e aconteceram vários sinais que me guiaram
enquanto eu escrevia o livro, inclusive de maneira meio inexplicável, o
indígena da história apareceu pra mim na vida real, ele tinha as mesmas características
do meu personagem e foi algo tão surreal que eu não podia ignorar. Após essa
“magia” acontecer, eu precisava ver com os meus próprios olhos a cultura
daquele seu povo e pisar com os meus pés naquele solo sagrado de Porto Seguro,
primeiro local onde iniciou a colonização dos portugueses e possivelmente uma
das regiões do Brasil que mais derramou sangue indígena em suas terras.
Essa imersão de 3 semanas foi extremamente enriquecedora para a obra pois
foi uma verdadeira aula de campo. Apesar de sentir na pele o sofrimento e as
tristes lembranças de um período muito cruel, eu aprendi bastante sobre a
cultura do povo pataxó conversando com o Tatu que inspirou o personagem do
livro. Ele me explicou sobre suas tradições, e tive a oportunidade de “beber da
fonte” em conversas com os líderes da aldeia que compartilharam sua sabedoria
comigo. Posso afirmar que muitos diálogos que ocorrem no livro foram baseados
em conversas reais. Por fim, acredito que a mensagem do meu livro tem a honra
de ecoar uma voz ancestral dos povos originários para além das fronteiras da
aldeia. Acredito que devemos parar de repetir uma narrativa criada pelo homem
branco que mora nas cidades e permitir conhecer a verdadeira história dos
nossos guardiões da floresta.
3) Nos conte um pouco sobre Os 2 guardiões da rainha da floresta! Quais são as principais questões
levantadas na obra?
Acredito que existem duas principais mensagens no livro:
Primeiro, uma mensagem de autoconhecimento para a retomada dos nossos
dons e talentos. A jornada de descoberta pessoal do protagonista provoca o
leitor a buscar descobrir quais são os seus talentos e de que forma podemos
expressar esses “poderes ocultos” para criar uma realidade mais alinhada com o
nosso coração. Há uma crítica forte sobre o modelo tradicional de ensino que
não incentiva o jovem a se conhecer o suficiente para poder trabalhar com
aquilo que ele realmente ama e tem prazer. Isso promove uma geração de pessoas
frustradas com suas escolhas profissionais desde cedo.
Segundo, a mensagem de reconexão com a mãe natureza. O livro demonstra
como fomos nos desconectando da nossa essência. Pois todos nós somos partes da
natureza, mas esquecemos disso. E essa desconexão gera uma sociedade doente e
gananciosa. A história busca aproximar o leitor dessa comunhão com a mãe terra,
e uma das melhores formas de aprender é observando os povos originários, eles
são os guardiões da floresta que protegem a natureza dessa loucura do homem da
cidade que está tão cego pelo ouro que não percebe que o ar que eles respiram
depende das mesmas árvores que eles derrubam. Portanto, a história busca
aproximar o leitor de uma maior consciência ecológica.
4) Como você criou os personagens do livro? Eles foram baseados em pessoas reais?
Sim, praticamente todos os personagens do livro possuem uma certa ligação
com pessoas reais que fizeram ou fazem parte da minha jornada. Especialmente os
amigos da escola e o indígena Tatu. É claro que também utilizei da minha
imaginação para potencializar algumas características ou comportamentos de
certos personagens para gerar determinadas sensações nos leitores.
Porém, posso afirmar que os principais personagens são representações de
pessoas reais e que me ajudaram a criar a história. É verdade também que outros
personagens menos relevantes foram criados durante o desenrolar da história,
inclusive alguns surgiram em sonhos.
5)
Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao escrever a obra? Foi
difícil lidar com as diferenças culturais?
O maior desafio foi buscar expressar com o máximo de fidelidade a cultura
e a visão de mundo do povo pataxó e de outros povos indígenas. Como homem
branco, é muito comum eu acabar reproduzindo preconceitos e estereótipos de
tudo aquilo que eu aprendi equivocadamente sobre o “índio” desde a época da
escola.
Por isso, eu busquei ler muitos livros de autores indígenas, estudar e
ver documentários que pudessem me trazer mais veracidade para os fatos, pois
sabia da responsabilidade que essa temática sensível exige nesse momento que a
nossa floresta pede socorro. Durante a imersão na aldeia do povo pataxó e após
a visita na floresta amazônica, pude me conectar mais profundamente com os seus
cantos, os rituais, as palavras, as medicinas que eles usam…
Foi assim, sendo um observador e aprendiz que eu busquei descrever com o
máximo de detalhes aquilo que eu estava vivenciando sobre a cultura indígena.
Foi um grande desafio que me fez aprender a respeitar e reverenciar ainda mais
a sabedoria ancestral deles, além de me juntar nesta luta em defesa da nossa
mãe natureza.
6)
Como você espera que seu livro contribua para uma melhor compreensão e respeito
pela cultura indígena?
Quebrando tabus, preconceitos e estereótipos. Somente trazendo luz é que
é possível dissipar a escuridão. Pouco se fala na grande mídia sobre a cultura
indígena. E os fatos que aprendemos nas aulas de história foram criados e
reproduzidos pelos homens brancos da cidade ou europeus. Pouco sabemos da
origem do nosso povo, infelizmente negamos a nossa ancestralidade e achamos que
não temos sangue indígena. Mas todos os brasileiros possuem uma forte conexão
com os povos indígenas. O lugar que moramos hoje já foi o lar dos povos
originários. Nossos antepassados viviam nas florestas que foram substituídas
pela selva de pedras das cidades. Então espero que meu livro possa relembrar
essas nossas origens.
7)
Por fim, quais são os seus planos para o futuro? Existe alguma história nova em
construção?
Tenho escrito cada vez mais. Estou buscando exercitar a escrita todos os dias, então acabo inventando alguns contos, compartilhando algumas reflexões nas redes ou escrevendo poesias. Mas confesso que para voltar a escrever um livro, eu preciso sentir um chamado no coração. Não sei ainda qual será a próxima mensagem que eu quero espalhar, mas sei que virão muitas. Nesse momento, como guardião da floresta, sigo na missão de espalhar a mensagem da natureza, especialmente para o público jovem. Estou buscando levar o livro para os ambientes estudantis, escolas e universidades, com o objetivo de conscientizar e promover palestras para despertar uma geração de guardiões que também se conectam com essa luta em defesa da nossa mãe terra. O futuro é ancestral.
* Parte da renda do livro está sendo destinada para melhorias na Aldeia Porto do Boi em Caraíva, onde vive o Tatu Pataxó e seus parentes indígenas.
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