Angela Davis e a tradição radical de mulheres negras

setembro 13, 2021




Por Bruna Santiago 


O pensamento de Angela Davis tem influenciado cada vez mais os ciclos de formação da militância feminista, e desde 2016, quando suas obras passaram por um processo paulatino de tradução no Brasil, ele vem ganhando mais espaços e contribuindo para uma formação que visa a construção de um novo modelo de sociedade, que seja antirracista, anticapitalista e feminista. 


No entanto, a presença de Angela Davis ainda se dá timidamente nos espaços acadêmicos e sua produção enquanto teórica e filósofa carece de mais pesquisas e reflexões. 


Podemos entender que esse atraso na produção acadêmica, em torno de uma das grandes filósofas da atualidade, se dá inicialmente por dois motivos: atraso das traduções de Angela Davis no país e, principalmente, o racismo atrelado ao sexismo.


É comum que o pensamento de grandes intelectuais negras seja reduzido a mera militância, e não que isso não seja importante, já que são militantes; mas há uma notória dissociação dessas mulheres enquanto militantes e intelectuais. 


A exemplo de intelectuais brasileiras como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Maria Beatriz Nascimento, Djamila Ribeiro que, apesar de grande produção filosófica, histórica, sociológica, ainda são, em muitos ciclos colocadas como militantes e suas produções intelectuais não entram no rol dos clássicos das academias brasileiras. 


Mas, novos tempos sopram por essas terras. Se por um lado essas intelectuais negras sofrem a violência do racismo e sexismo em todos os setores da sociedade brasileira, inclusive no meio acadêmico, por outro, resistem produzindo não só analises sobre o país e o mundo, mas buscando alternativas para o bem-viver da população negra na sociedade brasileira. 


É notório que as primeiras décadas do século XXI apresentam mudanças significativas, tanto na política de tradução de intelectuais negras de outros países quanto num resgate e valorização na produção de obras nacionais que versam sobre as violências de raça, classe, gênero e como o racismo opera na vida da população negra do nosso país. 


É nesse contexto de novas publicações e construção de um saber feminista negro que se insere a obra O pensamento de Angela Davis: perspectivas de liberdade e resistência publicado pelo Grupo Editorial Letramento, em setembro de 2021. 



O estudo se insere entre as primeiras pesquisas que se dedica a pensar as contribuições da intelectual para a construção de um pensamento que tem dois temas centrais, que são os processos históricos pela busca por liberdade da população negra, bem como as ferramentas para resistir dentro uma sociedade que investe no genocídio sistêmico desses grupos. 


O livro se propõe trazer Angela Davis em todas as suas faces de atuação: a filósofa, a ativista, a feminista negra e a comunista. Esse cuidado foi para fugir da construção de uma imagem que o mainstream liberal criou em torno de Davis, que em muitos momentos fragmentam sua produção tirando o caráter radical de seu pensamento. Fazendo parte de uma tradição radical negra, ela precisa ser vista como a comunista e feminista negra que é.


Para isso, o livro se divide em três partes. A primeira é biográfica e justifica a escolha da analise interseccional para obra, se respaldando nas considerações de Raquel Barreto (2005), que desenvolveu uma pesquisa pioneira sobre a importância da trajetória de Angela Davis na construção do seu pensamento – viver no sul segregado dos Estados Unidos incutiu marcas profundas e desejos ferozes de mudanças desse modelo de sociedade. 


Sua trajetória de vida e militância entre diversos partidos e frentes até chegar ao partido comunista reflete sua preocupação e compromisso com a luta revolucionária. Temas como o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional aparecem para pensarmos a contribuição de Mulheres, raça e classe (2016) para a construção de um movimento que não se atenha apenas ao gênero, mas, invista em perceber e modificar a realidade das mulheres pobres e negras. 


A segunda parte do livro se concentra em refletir sobre as produções de Davis no que tange as reminiscências da escravização no mundo contemporâneo, focalizando os complexos industriais prisionais. Há uma centralidade em sua produção que é o legado da escravização, tema recorrente em sua escrita desde a década de 1980 até a atualidade, e como o racismo vai se sofisticando dentro do sistema capitalista e inovando nas formas de exploração dessa população. 



Por fim, na terceira parte, o livro se dedica em como a autora pensa a opressão e a resistência de maneira dialética. Davis foge de uma ideia de uma população negra passiva, sem agência social, ao contrário, identifica desde o período colonial as mais diversas formas que a população negra desenvolveu para sobreviver e reinventar seus espaços. 


A busca por liberdade das populações exploradas dentro do sistema capitalista é constante e precisa se reinventar dentro do contexto de globalização, e a construção cada vez mais intensificada da criação de inimigos racializados. Assim, o livro se encerra enfatizando a necessidade de uma perspectiva abolicionista em todos os movimentos sociais. 


O livro O pensamento de Angela Davis: perspectivas de liberdade e resistência é resultado do meu trabalho de conclusão de curso em História, e que surgiu com o objetivo de demonstrar a importância do pensamento da filosofa para compreender o mundo contemporâneo enquanto um fruto colonial que ainda possuem suas raízes fixas em todas as formas de estar e ser no sistema capitalista. 


Espero que seja uma pequena contribuição para o reconhecimento e memória da tradição radical de mulheres negras no espaço acadêmico. 


Bruna Santiago


















Bruna Santiago - historiadora. Graduada em História pela Universidade Federal de Campina Grande, Mestranda em História pela Universidade Federal de Sergipe.


Desenvolve suas pesquisas na área de História e Identidade se debruçando nos estudos de Gênero e Raça no Brasil. Criadora do Canal Leituras Pretas no Youtube, ciberativista e professora do Portal Pretitudes.



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