Entrevista: Marcelo Bizerril

julho 03, 2020

Escrito por Marcelo Bizerril, professor universitário e um escritor que tem o Brasil como um dos seus temas prediletos, Gigante à Deriva é uma ficção bem proxíma do real. Disponível no site da Editora Letramento, a obra conta a história de personagens isolados que estão ironicamente entrelaçados.

Bob Terceiro é o âncora de um importante telejornal. Iris di Deus é líder religiosa e senadora da república. Caco Sullivan diverte-se atacando a ciência no youtube. Gy Salvadora apresenta um programa de variedades. Como essas importantes personalidades irão reagir ao inusitado desprendimento do Brasil da América do Sul e seu deslocamento errante pelo Oceano Atlântico?

É nesse cenário fictício que o autor o convida a discutir o Brasil real falando de política, religião, preconceito, cultura, ignorância, televisão, whatsapp e alguma esperança, de forma bem-humorada, como um bom brasileiro.

Marcelo Bizerril é também é autor de outras obras como Outros 500Savanas e O Tesouro da Capital – que são voltadas para o público infanto-juvenil e falam do interior do Brasil, do Cerrado e de Brasília. Convidamos ele para uma pequena entrevista, confira:

1) De onde surgiu a ideia e a iniciativa de escrever Gigante à Deriva?
Há algum tempo li um artigo de opinião de uma estrangeira que havia morado no Brasil (não me lembro o nome, só sei que era uma escritora), em que dizia que os brasileiros viviam numa ilha. Pensando bem, ela tinha certa razão, apesar da tecnologia disponível nosso conhecimento geral sobre o que se passa no resto do mundo é dramaticamente raso. Vou dar um exemplo pontual do nosso isolamento e que pode parecer inocente: perceba que os jornais brasileiros não informam nem a previsão do tempo nas capitais dos países da América do Sul. 
Esses locais não são nem citados nos mapas exibidos na TV, é como se não existissem, e houvesse apenas o gigantesco pedaço de terra chamado Brasil. E isso obviamente se repete para o resto dos assuntos, sobretudo os culturais e políticos, ficando, na minha opinião, mais estranho ainda quando consideramos aqueles países que tem mais afinidades culturais e históricas conosco, como Portugal e diversos países africanos. Imaginei um dia que o Brasil teria mesmo que se deslocar para fazer essa apresentação e retomar o diálogo interrompido.

2) O que os leitores podem esperar de Gigante à Deriva?
Uma leitura aparentemente leve, pois é uma novela curta e bem-humorada, mas que passa por temas espinhosos da atualidade e propõe vários pontos para pensar o cotidiano e os rumos do Brasil. Entendo que a superação dos problemas apresentados demandam reformas profundas na nossa sociedade, mas a percepção crítica deles do ponto de vista individual já é um importante passo para a mudança.

3) O seu livro aborda problemáticas importantes na sociedade atual e apresenta personagens que se entrelaçam de uma forma bem irônica e cômica, típica do humor brasileiro. Como foi para você construir esses personagens? Você se inspirou em pessoas e histórias reais?
Vivemos em um mundo extremamente midiático, no qual a população assiste às imagens de uma interpretação da realidade por meio de uma tela, normalmente de uma TV ou de um telefone celular. A ideia foi buscar expressões bastante típicas da sociedade atual no Brasil, que representassem essa relação tão forte com as mídias: youtuber, apresentadora de programa de TV, parlamentar e âncora de telejornal. Os personagens não foram espelhados em um único modelo pré-existente, mas buscaram refletir a essência dos estereótipos de cada tipo, com o olhar para os setores mais conservadores da sociedade brasileira.

4) Qual foi o personagem mais complicado de desenvolver na trama? E qual você se apegou mais?
As quatro figuras públicas foram surgindo de forma bastante espontânea. O narrador, por outro lado, é um personagem importante e que mereceu mais cuidado porque foi sendo imaginado ao longo do processo de escrita. Sua identificação completa é feita quase no final do livro e por isso foi preciso fazer ajustes na narração para guardar coerência entre a forma de contar a história e as características do narrador. Gosto de todos os personagens mas tenho um carinho especial pela Natividade, que é a empregada doméstica de Iris di Deus. Ela tem aparições pontuais mas é fundamental para a história.

5) A sua obra traz discussões sobre violência, desigualdade social, racismo e, até mesmo, o comunismo. Qual você acha que é a importância desse livro nessa fase frágil da política brasileira? 
Acho que, ao invés de serem evitados, os temas polêmicos precisam ser tratados a exaustão, das mais distintas formas possíveis, o que infelizmente não é o que ocorre no Brasil. Para que se tenha uma ideia, o ponto alto da trama de Gigante à deriva é um debate público na TV. 
Gosto de tratar esses assuntos complexos de forma mais leve, irônica ou até lúdica, mas procurando não perder a essência dos conceitos e fatos. Acho fundamental que os temas que listou, como outros que trato no livro, como mídia, doutrinação nas escolas e homofobia, sejam popularizados em diálogos e enredos acessíveis, talvez até como forma de preparar um jovem leitor para leituras mais especializadas e densas sobre esses mesmos assuntos.

6) Defina sua obra em uma palavra.
Atual.

7) Conte-nos um pouco da sua trajetória. Quando você se descobriu no mundo da escrita até começar a escrever Gigante à Deriva?
Sempre gostei da ideia de escrever e minha profissão de professor universitário favoreceu muito o desenvolvimento dessa habilidade pela necessidade de escrever textos científicos, didáticos e de opinião. Em 2005, com um livro didático publicado, decidi tentar escrever meu primeiro livro de literatura infanto-juvenil (Outros 500), que acabou sendo publicado em 2008. Daí se seguiram outros dois, também infanto-juvenis (Savanas e O tesouro da capital), publicados em 2011 e 2015. A partir de 2018 comecei a pensar em um livro para o leitor adulto, que somente foi escrito em 2019 e publicado agora em 2020, que é o Gigante à deriva.

8) Por fim, quais os projetos que você têm para o futuro? Existe alguma outra história que você gostaria de contar?

Desde a publicação do primeiro livro que tenho o hábito de pensar no próximo, fazendo anotações para uma futura história, mas sem pressa de concluí-la rapidamente. Já comecei a fase das anotações mas ainda não sei se será uma única história mais complexa ou um livro de contos independentes. Mas tentarei novamente escrever para o leitor adulto.



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