Anoréxica: o drama de quem viveu a doença num relato cru e impactante

julho 16, 2020


Por Ingeborg N. Senneset

        Como um paciente com anorexia e transtorno obsessivo-compulsivo experimenta psiquiatria? Que tipo de batalhas são travadas dentro de uma pessoa que quer acabar com uma doença que a atinge desde a infância e, ao mesmo tempo, é uma ameaça letal? O que é preciso para deixar ir? Quanto realmente importa o peso?

     Por meio de internações em três diferentes instalações psiquiátricas por um total de três anos, documentei a lenta tarefa de recuperar o controle sobre minha vida. Por meio de reuniões com os melhores e os piores lados dos cuidados de saúde, paradoxos e conflitos, tanto em nível interpessoal quanto privado, vocês terão toda a história.

Era 2009 e aos 24 anos eu já tinha vivido mais que suficiente.


A porta do corredor do hospital se fechou quando passei. O banheiro recendia um pouco a plástico envelhecido. Sob a janela, um banco de madeira dura chegava a machucar os joelhos. Do lado de fora, a lâmpada do poste jogava uma luz difusa sobre o asfalto nu. Dois andares abaixo da janela havia uma escadaria de cimento. Lembro-me que de ter encolhido as pernas na manhã anterior quando vi um resto de chiclete mascado e tive medo que fosse grudar no meu cabelo ou algo assim. Foi nojento, embora eu nem tenha reparado quando encostei nele. Quando estamos mortos, não damos mais a mínima para a vida, nem mesmo para as coisas mais velhas.


Esta não é a história de quem deu de cara no muro e saiu mais forte em seguida. Isto não é necessariamente uma doença, faz parte da vida. Esta é a história de alguém que se vê presa num enorme corredor de areia movediça e se sente cada vez mais enfraquecida quanto mais tenta escapar. É a doença, que rouba uma grande parte da vontade de viver. Rouba quase a própria vida.


Não é nada romântico, estético ou heroico. É só o necessário.

No calor dos eventos não existe perspectiva.
Barbara Tuchman

Eu queria salvar o mundo, um quilo a cada vez. Era só me punir o suficiente para me tornar uma pessoa melhor. Em vez disso, o mundo e minhas possibilidades de contribuir com ele foram diminuindo.


O livro que você vai ler é tão repleto de vergonha – minha vergonha – que nem sei como pude permitir que chegasse às suas mãos. Não escrevo para marcar uma posição, compreender a mim mesma, seguir adiante ou bobagens do tipo. Escrevo para dar aos cuidadores, parentes, amigos e testemunhas uma ferramenta.


Ao longo do processo de escrita, adoeci como nunca, como se tivesse me deixado contaminar por pensamentos antigos. Fiquei doente por imergir na própria doença. Serei responsável se arrastar outras pessoas comigo? Devo me preparar para ir contando o número de baixas? Ou seria mais uma relação de custo versus benefício, e eu devo apostar que o livro será mais útil do que prejudicial?

Indignai-vos!
Stéphane Hessel

Fiz muitos amigos na psiquiatria. Mas Deus sabe quantas amizades perdi, e quantas pus em risco.  Este não é um livro sobre suicídio, embora possa ser, se levado ao extremo. A doença foi a minha alternativa.  Não escolhemos entre estar doentes e saudáveis, escolhemos entre sobreviver ou não.


    Mas ela é uma boia salva-vidas que afinal irá nos sufocar. Por isso precisamos de alternativas. Não é apenas tirar das pessoas aquilo que têm a dar, ainda que superficialmente pareça sensato, às vezes até compassivo, ajudar alguém eliminando os sintomas ou promovendo a cura. Lembre-se de que essas pessoas também sentem falta duma boia salva-vidas. Dê-lhes uma nova, ou espere que se agarrem à antiga – ou afundem.

Este livro foi escrito na gélida esquina de um dia ardente. Porém, a menos que tenhamos que pôr uma máscara de oxigênio antes de ajudar o vizinho, nós, os doentes, devemos depor as armas um instante se quisermos fazer nossa parte para salvar o mundo, nem que seja um pouquinho dele.


Não é apenas uma questão de escolha. Com sorte este livro pode fornecer inspiração ou motivação àqueles que dependem de nós. Para que não desistam de nós.


***


O meu livro, Anoréxica, é divido em três partes principais, somadas a um prefácio acadêmico escrito pelo psiquiatra Finn Skårderud.


Cada parte foi escrita em tempo real, ou baseada em anotações feitas no calor dos acontecimentos. Os textos foram editados a partir de notas de dois prontuários hospitalares, 1500 posts de blogue e milhares de páginas de diários amarrotados e mais ou menos compreensíveis. Muitos acontecimentos e pessoas foram omitidos. Alguns para preservar lugares, outros por dever ético.


Muitos personagens ficaram anônimos, pelo menos parcialmente.


A “Parte I” refere-se ao tempo que passei no hospital de Levanger (2007-2008).

A “Parte II” aborda o tempo na clínica psiquiátrica em Stjørdal (2009).

A “Parte III” trata do primeiro ano no hospital de Østmarka (2009- 2012).

Cada uma tem um prefácio, ou capítulos intermediários, escritos no tempo atual.


A obra está disponível no site da Editora Letramento e na Amazon


Ingeborg N. Senneset é jornalista do Aftenposten, palestrante, enfermeira, ex-bloguer e editora e membro do conselho do norueguês PEN. Ela trabalha com debates, comentários e notícias, juntamente com mídias sociais e desenvolvimento de mídias digitais. 






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