A construção de Um Réquiem para Mozart
julho 21, 2020
Escrever sobre alguém que morreu em uma época em que não havia qualquer tipo de tecnologia para registro de áudio ou imagem é um verdadeiro desafio que nos impele a realizar um minucioso trabalho de investigação, buscando nos poucos registros remanescentes – considerando ainda que muitos deles são pouco ou nada confiáveis – encontrar fragmentos de um quebra-cabeça complexo e impossível de ser reconstituído na sua integralidade.
Nesse processo, tampouco se pode contar com a colaboração de alguém que possa estabelecer uma conexão com aquela pessoa: não há a possibilidade de consultar um amigo, familiar ou conhecido devido ao hiato de tempo que nos separa do biografado e dos seus contemporâneos.
Quando iniciei o projeto do livro "Um Réquiem para Mozart", um ano inteiro foi dedicado à pesquisa de fatos e registros que pudessem auxiliar na composição dos acontecimentos dos últimos seis meses de vida de Mozart. Após meses de trabalho, centenas de páginas lidas e contando com o apoio de diversas pessoas e instituições no Brasil e no exterior – sem as quais esse trabalho não teria se materializado – eu tinha nas mãos informações suficientes para formatar uma linha do tempo com um número considerável de acontecimentos que abrangiam todo este período.
Informações estas que seriam, a partir de então, a base para a construção da minha narrativa: visitas, estreias, composições, o nascimento e batizado do seu filho, por exemplo, são fatos que realmente aconteceram naquele período e que me permitiram – a partir deles – construir uma narrativa consistente baseada em fatos reais. Para aqueles eventos em que há o registro preciso da data do seu acontecimento, optei por manter as informações reais logo abaixo do número do capítulo. Porém, para a maior parte dos eventos ocorridos neste período, tem-se conhecimento somente do mês em que ocorreram sem que seja possível precisar o dia.
De posse dessas informações, um novo desafio se estendia à minha frente: compor o cenário em que todos esses fatos ocorreram. Assim como toda a sua vida, os últimos seis meses de Mozart também foram extremamente férteis em termos criativos, e é deste período que datam as composições e estreias de algumas das suas obras mais significativas, como A flauta mágica e La clemeneza di Tito.
Ao mesmo tempo, sabe-se também que durante esse período, atravessava sérios problemas financeiros e a instabilidade quanto ao seu futuro era alvo de constante preocupação. E foi a partir de um novo mergulho em uma vasta literatura que eu busquei um entendimento mais amplo sobre a sua vida pessoal e carreira, a fim de resgatar e compor – a partir desse conhecimento – os possíveis pensamentos, medos, inseguranças, sonhos e planos vividos naquele período.
Foi nesse momento da pesquisa em que eu passei também a buscar o conhecimento de alguns dos seus hábitos que pudessem auxiliar no entendimento acerca da sua dinâmica de vida diária: o seu gosto pelo bilhar, o seu hábito de cavalgar e até mesmo a sua predileção por bolinhos de miolo são fatos reais que incorporei à narrativa.
Informações estas que, por mais ínfimas que possam parecer no contexto de qualquer outro projeto, neste caso – em que há uma longa distância separando a nossa realidade contemporânea daquela vivida por ele – qualquer pequena informação que possa auxiliar na composição do seu perfil se torna extremamente valiosa. Adicionalmente, houve neste processo também a preocupação em buscar compreender a vida do vienense daquela época, a fim de trazer para o texto a paisagem das ruas e moradias, os hábitos e até mesmo as dificuldades vividas em um tempo tão distante do nosso.
Vale ressaltar que, como as pesquisas são capazes de nos fornecer fatos, mas não a dinâmica do seu desenrolar, algumas passagens controversas – como o próprio momento de sua morte – tiveram o seu cenário romanceado para que fosse possível compor a narrativa.
No que se refere aos personagens, o único personagem fictício que compõe o núcleo central, é o francês Gilbert. Sabe-se que, a pedido do Conde Walsegg, a encomenda do Réquiem foi providenciada pelo Doutor Johann Sortschan, mas não se sabe se este fez a encomenda pessoalmente ou se enviou alguém para fazê-lo em seu lugar. Portanto, este personagem foi criado a fim de preencher esta lacuna e estabelecer um elo entre os personagens.
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"Um Requiém para Mozart" é o novo lançamento da Editora Letramento. Escrito por Bruna Ramos da Fonte, a obra é baseada em fatos da história da música universal, especificamente a de Mozart. Bruna nos apresenta uma obra instigante e inovadora para os padrões da literatura, em que lança sobre Mozart um olhar poético, revelando mais sobre a vida do compositor e sobre sua intimidade.
Bruna Ramos da Fonte é especialista em processos migratórios com quinze anos de experiência na área. Escritora e fotógrafa nas horas vagas, além de "Um Réquiem para Mozart" – seu romance biográfico de estreia – também é autora dos livros Sidney Magal: muito mais que um Amante Latino (Irmãos Vitale, 2017), Essa tal de Bossa Nova (Rocco/Prumo, 2012) e O Barquinho Vai... Roberto Menescal e suas histórias (Irmãos Vitale, 2010). O seu trabalho fotográfico integra alguns dos acervos fotográficos mais importantes da América Latina – incluindo a prestigiada Colección Arte de Nuestra América Haydee Santamaría da Casa de las Américas de Havana (Cuba). Visite: www.brfonte.com
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