Entrevista: Elaine Escobar
janeiro 21, 2020
Elaine Escobar é docente do Ensino Superior desde 1998 com atuação em cursos de Graduação, Pós-graduação e Gestão Acadêmica. Agora, também é escritora. Em 2019, publicou seu livro "A vitória de Sarah sobre o Nazismo", uma história real de uma protagonista forte, que é muito mais próxima da autora do que se pode imaginar. Elaine recontou a história de vida de sua avó materna em uma época marcada pela guerra.
Confira entrevista exclusiva com a autora que fala um pouco sobre o processo de escrita do livro e a relação atual desta com o contexto sociopolítico que vivemos.
1) O que te fez ter o ímpeto de escrever o livro? Como surgiu a ideia do enfoque do livro na história da sua avó?
Após o falecimento de meu avô, minha avó começou a contar a história deles aos poucos, era uma maneira de manter a memória dele viva. A narrativa de minha avó, despertou minha curiosidade e passamos muitos momentos agradáveis, nos quais ouvi a sua história. Quanto mais eu perguntava, mais detalhes ela descrevia. Em uma de nossas conversas, ela me disse que gostaria de contar sua história para o público. Foi quando eu resolvi ir conhecer sua cidade natal. Lembro quando ela viu as fotos, chorou muito e contou mais alguns detalhes. Conheci a história de vida dela através de suas narrativas. Nunca ouvi a versão do meu avô. Conversamos sobre um dia eu escrever a história que ela me contou. Ela faleceu e o tempo passou.
Na correria do dia a dia, filhos, mestrado, doutorado, docência, pesquisa e consultório acabei deixando o projeto para o futuro. Em 2017, fui à trabalho para Belo Horizonte e no último dia tive algumas horas livres antes do vôo para São Paulo, resolvi correr a Lagoa da Pampulha, voltei para o Hotel, tomei um banho e fui para o aeroporto. Fiz uma viagem curta e logo estava em casa. No dia seguinte fui internada com um trombo na pleura (membrana que reveste o pulmão), segundo o médico, teria sido decorrente do esforço da corrida seguido do vôo. Fiquei alguns dias hospitalizada e sob efeito de muitos medicamentos: foi quando sonhei que subia uma escada que chegava em um jardim maravilhoso. Após dar três passos, vi minha avó e ela veio ao meu encontro, ela estendeu a mão em minha direção, sorriu e perguntou: "E o livro que você me prometeu?" eu respondi que o escreveria, desci a escada e acordei. No dia em que recebi alta do hospital, comecei a escrever o livro.
2) Como foi o processo de escrita de A vitória de Sarah sobre o nazismo?
A escrita levou um ano, apesar do livro ser curto, cada capítulo envolvia muitas lembranças e emoções. Eu e minha avó éramos muito próximas, inúmeras vezes chorei copiosamente ao escrever um capítulo e tive que parar e retomar uma semana depois. Apesar de ter uma jornada de trabalho semanal de cerca de 65 horas, dediquei tempo para o projeto do livro e não passei uma única semana sem escrever, desde o dia que dei início ao projeto.
3) Qual foi o trabalho de pesquisa por trás do livro?
Sou profissional da área da saúde. Não sou historiadora e tive o entendimento que a história da Segunda Guerra Mundial está muito bem documentada por excelentes historiadores de todo o mundo. Dessa forma, optei por contar a história de vida da minha avó, considerando a perspectiva do indivíduo, diante da realidade vivenciada e não dos fatos históricos disponíveis.
4) Como foi ir para a Polônia para conhecer lugares marcantes na vida de sua avó?
Foi uma experiência única. Eu me emocionei. Não tive coragem de conhecer Auschwitz, a ideia de pisar em um local de tanta dor e sofrimento, era paralisante para mim. Conheci Varsóvia e a cidade de Lódz. Fui visitar o local que correspondia ao gueto (bairro onde todo judeu era obrigado a residir) em que minha avó morava e o local onde ficava a escola que ela estudou.
A cidade reconstruída no pós-guerra era bem simpática, porém poucos falavam inglês e eu não falava polonês. Na época, não tínhamos a tecnologia que hoje facilita a comunicação, dessa forma, não consegui tantas informações como desejado. Na volta da viagem, mostrei as fotos para minha avó, ela se emocionou muito e contou mais detalhes de sua história inspirada por aquelas imagens.
5) Como foi escrever a história de alguém que você ama?
Difícil, emocionante e ao mesmo tempo maravilhoso. Ao escrever esse livro percebi o ensinamento por trás da história. Aprendi a olhar para minha própria vida sob outra perspectiva. Minha avó passou por tantas assolações, perdas, medos e venceu. Comecei a olhar para meus problemas como sendo de fácil solução, pois todos eram muito menores do que aqueles relatados na história de vida de minha avó.
Após a publicação do livro, vários leitores relataram que passaram a olhar para suas próprias vidas por outra perspectiva e isso trouxe muita gratidão à minha avó por ter compartilhado sua história. A sensação de imortalizar sua memória trouxe paz. Consegui cumprir minha promessa.
6) Como foi para você transformar uma pessoa tão querida e conhecida em uma personagem?
Ao contar sua história minha avó nem sempre mencionava nomes, por exemplo ela se referia a Rodica, personagem da história, como " a romena" e percebi que não poderia contar sua história sem usar os nomes de todos. Ela já tinha falecido e eu não poderia perguntar mais nada, dessa forma resolvi dar nomes fictícios aos personagens, para não incorrer em erros e relatar a história exatamente como me foi contada. Escolhi para minha avó Henryka, o nome Sarah. Cada vez que digitava Sarah eu pensava em Henryka, com muito amor.
7) Como se conta a história da vida de uma pessoa que não está mais aqui? Ainda mais alguém tão importante na sua vida? Quando você decidiu que era a hora de usar sua imaginação e a hora de usar fatos?
Procurei ser fiel aos relatos de minha avó. Dessa forma, para evitar distorção de fatos, deixei de incluir alguns relatos que eram incompletos. Contei a história exatamente como a ouvi. Não quis usar a história da Segunda Guerra ou minha imaginação, optei por redigir a história que Henryka me contou.
8) Qual foi a sensação ao colocar o último ponto final no livro?
Felicidade e paz. Consegui cumprir minha promessa. Era o momento de procurar a Editora para publicar. Novamente em uma viagem a trabalho, agora em Joinville, comentei sobre o livro para uma colega que fazia parte do grupo. Ela era de Belo Horizonte e sugeriu a Editora Letramento. Achei a perspectiva interessante, Belo Horizonte foi a cidade onde começou o processo que levou à decisão de finalmente escrever o livro. O livro deixou de ser um projeto pessoal e foi aceito para publicação pela Editora Letramento. O ciclo se fechou com êxito e superou minhas expectativas.
9)Vivemos tempos em que ideologias extremistas estão ganhando força mais uma vez, como você vê a importância da literatura nesses contextos?
Histórias como "A vitória de Sarah sobre o nazismo" mostram como o extremismo é destrutivo. A vitória de Sarah não se fez com política, ideologia ou luta, mas com amor. A mensagem que fica é o amor ao próximo, independente de religião, raça, cor, opção sexual ou ideologia. Devemos respeitar a diversidade e olhar para o outro como gostaríamos que olhassem para nós diante da mesma situação. A Literatura têm inúmeras histórias reais das consequências do extremismo. Essas histórias deveriam servir de exemplo para que a humanidade escrevesse um futuro de respeito e paz, bem diferente do passado.
10) Como você gostaria que os leitores recebessem seu livro?
Gostaria que os leitores se colocassem no lugar dos personagens e exercitassem a fé e o amor. Acredito que isso tornaria os fardos pessoais de cada leitor, mais leve. Fiquei feliz com o relato de leitores que afirmaram mudar sua maneira de encarar os problemas após a leitura. O objetivo do livro não foi apenas contar uma história de vida, mas que essa história pudesse fazer a diferença em muitas vidas.
11)Você tem mais projetos para o futuro? Gostaria de escrever a história de outra pessoa ou pensa em projetos diferentes?
Gostei muito da experiência de escrever esse livro. Tenho pensado muito sobre projetos futuros. No momento estou envolvida com projetos acadêmicos no ensino superior e o próximo livro ainda é apenas um projeto. A experiência de transformar minha avó em uma personagem trouxe o desejo de criar novos personagens. Talvez, no futuro escreva narrativas de histórias de vida fictícias, contextualizadas em cenários históricos reais.
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