Pensar é resistir

agosto 20, 2019


O fazer científico é constantemente atravessado por séries de desafios que obedecem à lógica de um determinado hic et nunc, ou seja, um aqui agora específico no qual a práxis investigativa está inserida. Ora, se o ser humano é fruto de seu tempo, como resistir aos sistemáticos ataques sofridos pela comunidade científica brasileira e tencionar as barreiras do conhecimento em direção à emancipação do pensamento? A resposta é, creio, continuar pensando.
Apesar de, ao mesmo tempo, simples e complexa, pensar na contemporaneidade é resistir aos discursos inflados pela obscuridade de preconceitos; é rebater dogmas com os quais se pretende o retorno à Idade Média; é lançar luz sobre a escuridão alardeada em um surto de histeria coletiva no qual negar fatos e fenômenos é a via mais fácil para tentar justificar o injustificável.
Uma pesquisa realizada com 140 mil pessoas de 144 países revelou que 25% dos brasileiros não acredita que a produção científica beneficia o País. Isso é alarmante. Na mesma direção, mais de um terço da nossa população desconfia da ciência. Denominada Wellcome Global Monitor 2018, a investigação foi realizada pela Gallup e publicada em junho de 2019.
Os dados revelam que além de lidar com os percalços próprios de estudos e averiguações – que vão de estruturas deficitárias e insuficientes aos recorrentes cortes nos fundos de investimento –, agentes da ciência são também confrontados com o ceticismo que cerca seus achados, fato que coloca o Brasil em 111º lugar no ranking de países que mais confiam na ciência. Mas isso, entretanto, não chega a ser uma surpresa.
Considerando os números da segunda edição do State of Science Index (SOSI 2019), pesquisa global encabeçada pela 3M e realizada com mais de 14 mil pessoas de 14 países, a descrença tupiniquim cresceu 5% em um ano e soma 39%. Mais grave do que isso, dados científicos tendem a ser validados por cerca de 50% das e dos brasileiros apenas quando não contrariam suas crenças pessoais, incluindo as religiosas.
Isso posto, e diante do cenário desfavorável à produção literária nos modelos tradicionais, a comunidade científica é provocada a considerar novas formas de difundir seus achados. Formas que dialoguem com a sociedade. Tal como a auxiliar de serviços gerais diante de um banner científico, é preciso traduzir nossas investigações a quem de direito, aproximar reflexões da vida cotidiana e transformá-las em respostas práticas às questões do dia a dia.
O mercado de livros técnicos, científicos e profissionais encolheu quase 40% em dez anos. É o que consta na pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL). Assim, blogs, podcasts, fóruns de discussão, e-books de circulação gratuita e mesmo as mídias sociais se apresentam como das opções.
É mister repensar nossas práticas, falar não mais apenas entre pares. O estreitamento das relações entre a academia e o público geral é fundante para integrá-lo ao que dentro de nossas universidades é feito, bem como para refutar a falsa ideia de que tais espaços servem à balbúrdia muito mais do que à nação e de que investir em pesquisa é desperdiçar o dinheiro público. Ao contrário, investir é avançar... literalmente.
Não podemos nos esquecer de que responder questionamentos é a mola propulsora para novas dúvidas. Esse é o princípio que nos move enquanto pesquisadoras e pesquisadores e, em sua própria essência, o pensar, é que reside nosso trabalho frente aos desafios que se apresentam. Resistamos, pois. Pensemos!

*Diogo Azoubel é professor pesquisador da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc-MA). É mestre em Comunicação e Cultura, doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulos (COS | PUC-SP) e autor de “Narrativas Fotojornalísticas I: matizes, objetos, sujeitos” (Letramento, 2019). Contato: diogoazoubel@gmail.com

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