Entrevista: Preta-Rara
agosto 14, 2019Em todo o país trabalhadoras domésticas enfrentam todo o tipo de abuso de uma sociedade que ainda reproduz comportamentos coloniais. Preta-Rara viveu isso na pele. Em entrevista exclusiva para o Blog da Letramento, Preta relembra sua trajetória e conta mais sobre a expectativa de lançar seu primeiro livro: Eu, Empregada Doméstica.
A #EuEmpregadaDoméstica abriu um novo espaço para o diálogo sobre as condições das trabalhadoras domésticas no país. O que você acha que o livro representa nessa luta?
Sim, a hashtag criada por mim, em 2016, alavancou a discussão sobre o trabalho doméstico no Brasil. O livro virá para ressignificar e materializar essa situação que ainda ocorre com as trabalhadoras domésticas, será um grande campo de denúncia e repúdio às práticas de servidão colonial que esse país carrega por séculos, na busca desenfreada para que o leitor tenha empatia, sobre o tema e mude sua conduta, caso ele seja patrão e se a leitora for trabalhadora doméstica, saiba que ela não está sozinha e existem direitos conquistados para a sua função.
Você esperava que a #EuEmpregadaDoméstica fizesse tanto sucesso?
Não esperava nem que ela tomaria essa proporção. Desabafei no Facebook sobre uma situação que eu passei quando era empregada doméstica. Fui contratada para ser cozinheira é minha ex patroa me impediu de me alimentar com o que eu cozinhava, no outro dia trouxe marmita e ela me mandou embora dizendo que eu estava a envergonhando perante uma visitante que me viu comendo no pote e a questionou. Como era um relato em primeira pessoa resolvi colocar a hashtag #EuEmpregadaDomestica e falei que se alguém tivesse relatos parecidos, que colocasse também a hashtag para que eu pudesse ler. Achei que teria relatos no passado, mas, para a minha surpresa, em menos de 24 horas já eram mais de 10 mil relatos na hashtag. Ali eu percebi o quanto era importante viralizar esse tema porque, naquele momento, existiam trabalhadoras passando pelo que eu passei.
O que você sentiu enquanto recebia os relatos de mulheres de todo o Brasil?
Eu me senti muito mal, não dormia, não me alimentava direito. Todas aquelas opressões me machucavam muito. Eu descobri através dos relatos que o que eu passava eram violências diárias. Eu não tinha parado para fazer essa reflexão e foi muito difícil revisitar esses campos dolorosos de algo que eu já tinha vivido. Percebendo essa carga toda que eu lia diariamente, uma psicóloga que eu não conhecia me convidou para que fizesse terapia com ela, isso foi mega salvador e fez que eu entendesse todo esse processo. Sou muito grata a Néia psicóloga que me atendeu em Santos/SP.
O que a Preta-Rara de hoje falaria para a Preta que sofreu com o abuso de poder na época em era doméstica?
Gata garota, falta pouco para você sair dessa, não aguente nada de cabeça baixa, reaja porque você tem um mundo enorme de possibilidades e não pense que esse serviço salvará a sua vida. Sua patroa não é sua amiga, bebê!
Como podemos mudar a realidade das empregadas domésticas de todo o país?
Conversando se informando sobre as leis da PEC das Domésticas. Se você for patrão, reveja seus atos; você trabalharia tendo um patrão igual a você? Ficaria satisfeito com o salário que paga? Respeita os horários da trabalhadora? São esses e outros questionamentos que temos que fazer diariamente, empatia é isso, se colocar no lugar do outro, sim. Penso que só dessa forma a gente consegue interromper esse ciclo colonial.
Para quem é o livro Eu, Empregada Doméstica?
O livro Eu, Empregada Doméstica é para todxs. É para as trabalhadoras domésticas, é para quem pesquisa o tema, para a patroa, patrão, estudante, gente comum, gente fora do comum, é pro filho e filha das trabalhadoras domésticas e para o filho e filha dos patrões também.
Como está sendo tirar esse projeto do papel e publicá-lo em livro?
Foram dois anos de tentativas, fizemos um financiamento coletivo, porém não tínhamos alcançado o valor desejados, idas e vindas com diversas editoras e agora finalmente conseguiremos publicar esse sonho. Lá em 2016, pela quantidade de relatos, eu logo pensei em um livro e ver que ele está pronto é de uma felicidade gigantesca. Estou muito feliz e na expectativa de rodar o Brasil com esse livro e que, depois, possa ser lançado em outro país também.
Qual a importância do livro na sua vida pessoal?
O que era abstrato se concretizou, é um grande prêmio por toda a trajetória, boa parte invisibilizada, por que o racismo faz isso com as pessoas pretas. Eu tenho o endereço de algumas ex patroas que receberão meu livro com uma bela dedicatória - por incrível que pareça, sem ofensas da minha parte. Mas é importante que elas não reproduzam o que fizeram comigo.
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