Entrevista: Morena Cardoso

julho 22, 2019


A Menarca é tida por muitas tradições originárias como um Rito de Passagem: o momento em que a menina se torna mulher. O livro "A menina que virou Lua" vem nos contar sobre sabedorias ancestrais - memórias antigas, há tanto esquecidas e caladas-, de um tempo em que sentíamos a honra, poder e orgulho de habitar um corpo feminino. Em entrevista exclusiva para o blog da Letramento, Morena Cardoso fala sobre o processo de criação do livro e amplia os horizontes da discussão sobre a relação com a menstruação.

Como surgiu a ideia de escrever "A menina que virou Lua"?
Não foi algo que eu havia planejado criar. Há muito eu carregava a consciência sobre a importância deste tema, e que fosse abordado de forma sutil e poética às meninas que vivem o rito de passagem da menarca. Porém, o livro veio por vontade própria numa noite aos pés das árvores de Cedro, na floresta de Oregon. Ele simplesmente se apresentou.

Para quem é "A menina que virou Lua"?
Para as meninas: as meninas que um dia irão menstruar, as meninas que já estão vivendo o processo, e para as meninas que nos habitam - hoje como mulheres adultas - e que precisam ser narradas em uma nova perspectiva.

Como foi a sua primeira menstruação?
No mínimo estranha. Senti vergonha, um pouco de nojo, e uma certa aversão em pensar que eu teria sangue escorrendo em minhas pernas todos os meses... além das dores e o medo desde novo momento de vida, tão desconhecido, tão pouco falado.

Como você viu a menstruação na sua primeira vez e como você a vê agora?
Hoje vejo como um presente, que me permite mergulhar em mim mesma, me conhecer melhor, baixar o ritmo pra poder sutilizar, perceber o não óbvio. Menstruar para mim hoje é um ato sagrado, de rezo e entrega, e um ato político de resistência contra a opressão e objetificação dos corpos femininos.

O que te fez olhar para a menstruação de outra forma?
Passei a última década como andarilha em busca de povos originários e saberes ancestrais, e mulheres de diferentes tradições me mostraram um novo olhar sobre as peculiaridades deste corpo-mulher, em forma de saberes esquecidos e há tanto calados. Aos poucos fui criando uma relação mais íntima com meus ciclos e sangue.

Por que a menstruação está diretamente ligada ao feminino?
Estamos há cinco mil anos em uma sociedade patriarcal, que preconiza a ação, a linearidade, a busca por poder, em detrimento da internalização, dos ciclos naturais, do ser essencial. Menstruar é uma expressão da impermanência, de tudo aquilo que morre e renasce como as estações, como a lua, como as marés, como nossa natureza anímica. Menstruar é relembrar que somos parte de tudo isso que constantemente se transforma e que está além do controle e da domesticação. Menstruar é uma forma de fazer as pazes com o útero, com as peculiaridades deste corpo feminino, se reconhecendo como mulher, em um corpo de mulher.

Por que é importante as mulheres ressignificarem a sua menstruação?
Porque se amar, num mundo em que o sistema nos ensina que não nos bastamos, é um ato de revolução. Com o tempo, à medida que a mulher vai afinando seus diálogos com seu corpo feminino, muitas camadas vão se descascando: dores são desveladas em forma de culpa, frustração, abusos, opressões, medo, rejeição. Neste mesmo movimento, o que emerge é a sabedoria de pertencer a si mesma.

O que a Morena de hoje, diria para a Morena que menstruou pela primeira vez?
Que ela está se tornando uma linda mulher, que terá muitos desafios pela frente mas que as cicatrizes, as histórias e a sabedoria adquiridas irão fazer tudo valer à pena. Diria a ela que sangrar é como trocar de pele, para que ela possa crescer para além dela mesma a cada novo ciclo, deixando para trás tudo aquilo que ela não mais necessita. Eu daria flores a esta menina-mulher, como representação de seu próprio florescimento.

Morena Cardoso é psicoterapeuta corporal, ativista, escritora, mãe, mulher, heroína de sua própria jornada. Uma peregrina, que iniciou a busca de si mesma a partir do espelho fornecido por povos de diversas etnias culturais, corpo adentro e mundo afora.  

Em mais de uma década de jornada pelos saberes tradicionais, lugares sagrados e povos originários, Morena pôde testemunhar diferentes formas de vida, mitos, crenças,  ferramentas de cura, sistemas simbólicos, costumes e rituais; diferentes formas de se relacionar com o universo psíquico e com a natureza-  tudo isso se tornou o que é a DanzaMedicina, e hoje se configura como retiros em 6 diferentes países, workshops presenciais, conferências e uma comunidade online com mais de 80 mil mulheres. 

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