Literatura e a identi-cidade

fevereiro 27, 2019


a cidade está no homem

mas não da mesma maneira

que um pássaro está numa árvore

não da mesma maneira que um pássaro

(a imagem dele)

está/va na água

e nem da mesma maneira

que o susto do pássaro

está no pássaro que eu escrevo[1]



Ao dirigir o olhar para a cidade, o escritor busca na literatura uma forma não só de compreendê-la, como também de buscar sua identidade. Afinal, a cidade vai muito além de um universo urbano, é a expressão cultural de seus habitantes, espaços e vivências.

Se enxergar como parte da cidade é estar inserido naqueles cantinhos que, por mais desprezíveis que possam parecer, despertam essa vontade de identificação com o nosso meio. Quando comecei a escrever Sétimo dia, não pretendia ter Belo Horizonte apenas como pano de fundo para a narrativa dos personagens. Queria que de alguma forma essas imagens pudessem ser reverberadas no imaginário do leitor. Quem sabe não seja apenas eu que ache o boteco mais sujo da capital mineira um dos lugares mais fascinantes da cidade?

Essa identidade encontrada em recantos muitas das vezes desprezados conduz o escritor a enxergar na cidade uma possibilidade de manifestação poética que ecoa para além das referências clássicas. Nesse sentido, a cidade ganha personalidade própria aos olhos do leitor. E, mais do que isso, confere um valor simbólico a ela. A cidade não é só o trajeto entediante do dia-a-dia; não é só trânsito, a praça, ir ao banco — cabe à literatura o papel fundamental de apresentá-la como algo vivo, em movimento.

A cidade escrita pode ser mais luminosa ou sombria do que realmente é. Mas é exatamente essa subjetividade que dá graça ao processo criativo, naquele intervalo mágico entre a palavra e o mundo. Portanto, não é exagero dizer que escrever a cidade é, enfim, encontrar sua identicidade.



[1] Fragmento de Poema sujo (1976). Ferreira Gullar.

Nascido, criado e fascinado por Belo Horizonte, Alexandre Pinto Ribeiro (1989) desde cedo se interessou por literatura, cinema, quadrinhos e música. Formou-se em 2010 como jornalista, profissão que exerce até hoje, sempre aliando esta como instrumento para conduzir seu olhar artístico. Como romance de estreia, Sétimo Dia — mais que uma aventura no mundo literário — é uma homenagem que consolida sua admiração pela cidade, personagens e descobertas belorizontinas.

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