Conservadorismo mineiro abriu a porta para o extremismo de direita

fevereiro 27, 2019


No Brasil, há grande confusão a respeito do pensamento conservador. Confunde-se, muitas vezes, com o pensamento reacionário. Os conservadores admitem mudanças, ainda que lentas e controladas, e são tolerantes aos que não se alinham aos seus valores. Seu limite é o racionalismo – que se sentiria, segundo seus preceitos, acima da natureza, da sabedoria e dos costumes – e todo tipo de extremismo, à esquerda e à direita. O pensamento conservador – expresso em seu maior ideólogo, Edmund Burke – propõe valorizar o que “foi testado pelo tempo” e já se revelou acertado. Daí serem opostos aos revolucionários e reacionários. Porque, sustentam, ambos querem impor mudanças pela força, destruindo todo presente para dar lugar a um capricho de sua vontade, um mundo idealizado, fabricado. Reacionários são assim considerados por reagirem às mudanças sociais que colocam em risco as elites e, quase sempre, lutam violentamente por valores do passado.

A política mineira possui traços de conservadorismo. Forjados ao longo do século XX por um acordo de elites. Antes disso, foi profundamente reacionária e violenta. Antes da conciliação política liderada pelo Partido Republicano Mineiro (PRM), as lideranças deste Estado eram profundamente agressivas, caso de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Teófilo Otoni ou mesmo o marquês de Paraná, que segundo o historiador José Murilo de Carvalho, “inaugurou, sim, uma política que ficou conhecida como de conciliação, voltada para pôr fim à guerra entre liberais e conservadores, mas ele o fez com mão de ferro, sem negociação alguma, atropelando até mesmo os correligionários saquaremas.”

A família Neves produziu os dois polos políticos aqui descritos: Tancredo e Aécio. Há quem sustente que Aécio Neves pendeu mais para o estilo político da família paterna, os Cunha. Seu pai, Aécio Ferreira da Cunha, foi apoiador do golpe militar de 1964, deputado estadual e federal por partidos de direita (PR, ARENA e PDS). Filho de Tristão Ferreira da Cunha, um dos articuladores do golpe militar.

Já seu avô, Tancredo, se dizia um conservador moderado (preferia se dizer conservador, mas nem tanto) ou mesmo “esquerda conservadora”. Desde cedo, acolheu o apoio dos comunistas, mas controlava e colocava freios no avanço da ala mais progressista do MDB, denominada de “autênticos”. Transigente, Tancredo sempre foi um a fervoroso membro da Ordem Terceira de São Francisco, mas o Carnaval sempre foi “uma instituição respeitada na casa alegre dos Neves”, segundo observação do jornalista José Augusto Ribeiro.

Aécio Neves trilhou por um caminho político inicialmente próximo daquele seguido por seu avô. A despeito de seu discurso modernizador, seu governo estadual (2002 a 2010, sendo reeleito em 2006) foi marcado por fortes traços conservadores. Sua gestão foi marcada por vínculos diretos com lideranças regionais. Mais que vínculos. Foi nítida dependência. De maneira que, ao contrário de seu avô, não os liderava de fato. Era um facilitador político. Em muitas localidades, Aécio Neves propiciava uma unidade local de lideranças conservadoras tradicionais a partir de seu governo. Alianças nem sempre naturais, como o caso das famílias Braz e Varella, em Muriaé. Em outras situações, as emendas parlamentares de seu bloco de apoio político sustentavam hospitais particulares que sediavam a prosperidade de médicos. Médicos que obviamente acabam por constituir sua base política local, como no caso de São João del-Rei. Não por outro motivo, os partidos mais importantes de sua base eleitoral nessas localidades interioranas eram o PP e DEM.

Esta máquina clientelista, fundada nas elites conservadoras territoriais – uma modalidade de oligarquia política mineira – conspurcou o programa mais festejado pelo PSDB do Estado: o Choque de Gestão. A tradução mineira da Nova Gestão Pública formulada originalmente no Reino Unido, trabalhada por Antonio Anastasia, sofria remodelações ao sabor das lideranças territoriais. Projetos estruturantes ou prioritários definidos em gabinetes governamentais eram transfigurados pelo tacape dos caciques locais. O que acabou por arquitetar uma liderança frágil e abstrata de Aécio Neves. Seu papel político foi sempre mais de um cicerone que de um condottiere.

Foram do governo, e sem apoio de Lula (que se aliou durante todo o período em que foi governador), Aécio Neves procurou alçar voos maiores. Disputou a presidência do PSDB e, depois, a candidatura à Presidência da República. Este caminho o levou gradativamente a uma postura reacionária. Algo que se configurou plenamente após ser derrotado por Dilma Rousseff, em 2014, no pleito pela Presidência da República. Sua guinada adotou tons dramáticos ao se aliar ao Movimento Brasil Livre (MBL), movimento juvenil de extrema-direita financiado pelo Atlas Network, pelo PPS, PMDB e seu partido, o PSDB. O radicalismo retórico do MBL foi sendo absorvido pelo tucano mineiro. Até que o volume das ácidas críticas ao lulismo e toda agenda neokeynesiana ou de defesa de direitos civis e sociais deu lugar ao extremismo mais reacionário e cru: o bolsonarismo.

Parte do eleitorado, seduzido pelo radicalismo reacionário, foi aos poucos sendo convencido que o PSDB fazia parte do velho regime político. Aécio Neves se enredou nesta trama discursiva. O apoio do PSDB ao governo impopular de Temer, que sucedeu a Dilma Rousseff após o impeachment, aprofundou a imagem de oportunismo e elitismo das lideranças tucanas. As inúmeras acusações e a prisão de sua irmã acabaram por firmar a pecha de político ambicioso e envolvido em esquemas escusos que os reacionários em ascensão sugeriam ser velhas práticas a serem banidas da vida política do país.

Enfim, o conservadorismo mineiro abriu as portas do extremismo de direita. Tendo Aécio Neves como sua figura principal.

Rudá Ricci é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Presidente do Instituto Cultiva. Autor de “Lulismo” (editora Contraponto) e “Nas Ruas: a outra política que emergiu em junho de 2013” (editora Letramento) e Conservadorismo mineiro: Os dois governos de Aécio Neves.

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